quinta-feira, 4 de julho de 2013

Um projeto para ser vivido e respirado

Estudantes de Jornalismo criaram revistas laboratoriais que exigiram esforço, dedicação e que contribuíram para o aperfeiçoamento técnico das práticas jornalísticas


Por Victor Sena

No último semestre letivo de 2012, finalizado no começo de maio, os estudantes da disciplina Planejamento Editorial, do curso de Jornalismo, receberam um desafio: eles precisavam criar revistas, do zero. O projeto é orientado pela professora Cristiane Venâncio (DLC) e também compôs a avaliação das matérias Fotojornalismo e Editoração Eletrônica, obrigatórias da graduação de Jornalismo na Rural.

A turma do então quarto período se dividiu em seis grupos, cada um com a liberdade de criar uma linha editorial (a filosofia do veículo, seus princípios e pilares) da forma que quisesse. 


–  A disciplina pedia a confecção de um produto. Não especificava qual. Eu tive a ideia de propor a revista porque ele oferece possibilidades editoriais mais amplas. Possibilidade de interpretação, opinião, de construção de linguagens diversas. Então eu achei que a revista seria adequada para a disciplina. Elas estão cada vez melhores  disse Cristiane. 

Com o foco na relação fraca do município de Seropédica com a Universidade Rural, a revista Ímpar surgiu com a proposta de futuramente se tornar a revista laboratorial do curso de Jornalismo. O nome do veículo faz jus a proposta: uma originalidade que corre da mesmice. O editorial dá as boas vindas ao leitor assumindo que ali o olhar vai ser um pouco diferente do que é encontrado por aí: “Tentamos tirar todo o clichê existente nos assuntos tratados e nas problemáticas ­abordadas para tentarmos olhar o mundo de maneira ímpar”. 


–  Rural e Seropédica estão distantes uma da outra. Na ciclovia são dois quilômetros mais ou menos. A gente decidiu tratar disso na revista: Rural e Seropédica como uma coisa só, não como duas –  disse Caio Assis, que começou a enxergar mais a distância entre a Universidade e a cidade depois de fazer a publicação.

Segundo Caio, o projeto gráfico da Ímpar surgiu espontaneamente, conforme as coisas iam acontecendo, e tem inspirações nas artes gráficas das revistas Vida Simples e Bravo.


– É um projeto bom porque propõe participar de todas as etapas do processo de construir isso aqui – disse, segurando orgulhoso uma nova impressão da Ímpar. – Peguei hoje.




Ousada graficamente, a revista Atalho é focada em cultura urbana e queria mostrar o universo das cidades de uma forma pouco explorada. São 100 páginas de boas e muitas fotografias, textos e assuntos sobre a vida no Rio de Janeiro, Niterói, São Paulo... Arranjar pauta não foi o problema. 

– A gente queria fugir do que a mídia sempre mostra. O que as pessoas estão fazendo na rua? Como elas se vestem? E aí foram surgindo muitas ideias –  conta Simone Selles, uma das participantes. –  A gente quis “fugir” de Seropédica também. Não temos nenhuma matéria que fale daqui.

A ousadia do trabalho não ficou só na diagramação. A equipe também utilizou de colaboratividade para construir o veículo. Na sessão Online, as pessoas podiam tirar fotos no aplicativo para celular Instagram e marcá-las com a hashtag #atalho. A ideia foi publicar as 15 melhores fotos com temática urbana marcadas com a tag. Depois de a revista ter ficado pronta, lá estavam as fotografias, com os filtros e o formato quadrado próprios da rede social. 


–  Cada um mora em um local diferente. Cada um tem uma cultura diferente. A Simone é de Niterói, a Raíze é de Recife, eu de Bangu, o Victor e a Tarcila de Jacarépagua, a Meiryellen de Paraty, e o João Pedro de Maricá –  destaca Samara Costa, a principal responsável pela diagramação da revista.





Gastronomia foi a proposta da revista Bistrô. Com tons quentes, a publicação tem a disposição das sessões inspirada nos serviços prestados a um cliente nos restaurantes. O índice virou o menu, seguido pela entrada, prato principal e o gole de alguma bebida. A proposta da Bistrô é fazer um olhar diferente sobre a gastronomia, com destaque para as pessoas, com leveza e elegância.

– Nós propomos uma revista que mantivesse um certo requinte. Falamos sobre gastronomia e comportamento. Queríamos levar para as pessoas algo além da receita de bolo. Queríamos falar daquele “pubzinho” super legal, daquele restaurante “bafo”, ou então sobre aquele Chef que está em alta – disse Talyta Magano, umas das integrantes da equipe que fez a revista. –  A gente vê o tempo inteiro teoria, e é sempre bom colocarmos em prática o que a gente aprende. Foi uma experiência muito legal, para a gente aprender como dispor a notícia para o leitor entender melhor. Suamos, brigamos, mas foi uma experiência ótima.


A revista Meu Dinheiro foi outro exemplo de criatividade dos grupos. Ela propõe falar de Economia para as classes C e D, entrando em uma brecha presente no jornalismo econômico: o excesso de termos técnicos e um público alvo seleto, das classes mais altas.

– A revista foi o desafio até o momento do curso de graduação. Sem sombras de dúvidas. Deu trabalho, mas foi prazeroso. Você vai fazendo e vendo que a coisa ganha forma, mas foi difícil devido a falta de comprometimento de algumas pessoas. Mas eu tenho a consciência tranquila de que fizemos o que estava em nosso alcance. Foram noites viradas que valeram a pena –  disse Kleber Costa, membro do grupo que fez a revista. 

Na Meu Dinheiro, os temas das matérias foram da alta no preço do tomate em abril até a geração de emprego devido a Copa de 2014 e Olimpíadas de 2016. Em 44 páginas, o grupo explicou, sem abrir mão de uma linguagem popular, assuntos densos como inflação e taxa de câmbio.

Com a proposta de levar ao público alvo um conteúdo leve, com caráter pedagógico, a revista Hora H tem suas pautas voltadas para sexo e sexualidade. As matérias falam de homossexualidade, educação sexual dentro de casa, masturbação, entre outras. 

–  O desafio principal foi técnico: não há ainda na UFRRJ uma "gráfica laboratório" para os alunos, como também uma estrutura completa de redação de empresa jornalística. Por outro lado, sobrou vontade e orientação técnica por parte do corpo docente do curso. Aulas conjuntas ocorreram entre diferentes disciplinas, valorizando a interdisciplinaridade, fundamental para uma perspectiva moderna da aprendizagem declarou Filipe Veloso, um dos membros do grupo que fez a Hora H.


“Paixão, aventura e transgressão sem perder o ar” é o slogan da revista Fôlego, que propõe um jornalismo de imersão, com profundidade na apuração e viés literário. As pautas tratam, principalmente, de tabus.

– Uma coisa que resume bem a Fôlego é o seu slogan, que é “Paixão, aventura e transgressão sem perder o ar”. Ele veio junto com o nome, que é um nome forte, pensado. E a ideia de paixão e transgressão sempre foi o nosso intuito como jornalistas: se aprofundar dentro de uma reportagem, explorar ao máximo e conseguir traduzir isso em sentimentos e palavras, gramaticalmente. Não fazer apenas uma coisa superficial, com consultas à Internet e ficar muito na teoria. Muitos sabem do que estão falando, mas é apenas teórico, nunca viveu para falar – disse Rafael Peixoto, um dos membros do grupo que fez a revista.

Na Fôlego tem matérias sobre o cinema nacional, elitização dos estádios de futebol, cultura canábica, entre outros. Para Peixoto, os desafios foram muitos. Das coisas curiosas no processo de apuração das matérias, o que não faltou foi “lama, cercas, cachaça com pessoas estranhas e diálogos esquisitos.”

–  Os desafios de um repórter, independente do gênero, é sempre a fonte: a fonte querer falar contigo ou você ter acesso a fontes, ela querer tratar dos assuntos disse Peixoto. –  ma coisa que eu levei para mim dessa revista é que essa coisa de transgressão e liberdade em excesso a gente acabou um pouco se perdendo, e sem saber que rumo tomar. As coisas ficaram meio caóticas, talvez pelo excesso de liberdade. A gente precisa saber o que a gente tá negando para poder negar algo. Isso gerou diversas discussões, diversas brigas no meio do grupo e dissidências, mas a revista é do c*. Sinto-me representado.


Para Cristiane Venâncio, a professora que orienta a construção das revistas, o projeto é bom “porque ele proporciona a possibilidade de os alunos aliarem a teoria à prática”. Segundo ela, não tem melhor forma de aprender do que fazendo.

–  Ocorre, durante o período, um amadurecimento dos alunos na percepção deles do que é construir um produto: pensar e executar até a publicação. Se nós estivéssemos no mercado, eles teriam a oportunidade inclusive de fazer as “suítes” (repercussão) – disse.

Kleber Costa, da revista de economia Meu Dinheiro, sai com muito mais do que quando entrou. Para ele, o projeto que consumiu um semestre reafirmou a certeza de que o jornalismo é o seu caminho:


 O meu amor pelo jornalismo continua forte. Foi difícil, mas prazeroso ao extremo. Eu vejo que se a gente pega uma coisa para fazer a gente tem que ir até o final.

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