Por Victor Sena
A turma do então quarto período se dividiu em seis grupos, cada um com a liberdade de criar uma linha editorial (a filosofia do veículo, seus princípios e pilares) da forma que quisesse.
– A disciplina pedia a confecção de um produto. Não especificava qual. Eu tive a ideia de propor a revista porque ele oferece possibilidades editoriais mais amplas. Possibilidade de interpretação, opinião, de construção de linguagens diversas. Então eu achei que a revista seria adequada para a disciplina. Elas estão cada vez melhores – disse Cristiane.
Com o foco na relação fraca do município de Seropédica com a Universidade Rural, a revista Ímpar surgiu com a proposta de futuramente se tornar a revista laboratorial do curso de Jornalismo. O nome do veículo faz jus a proposta: uma originalidade que corre da mesmice. O editorial dá as boas vindas ao leitor assumindo que ali o olhar vai ser um pouco diferente do que é encontrado por aí: “Tentamos tirar todo o clichê existente nos assuntos tratados e nas problemáticas abordadas para tentarmos olhar o mundo de maneira ímpar”.
– Rural e Seropédica estão distantes uma da outra. Na ciclovia são dois quilômetros mais ou menos. A gente decidiu tratar disso na revista: Rural e Seropédica como uma coisa só, não como duas – disse Caio Assis, que começou a enxergar mais a distância entre a Universidade e a cidade depois de fazer a publicação.
Segundo Caio, o projeto gráfico da Ímpar surgiu espontaneamente, conforme as coisas iam acontecendo, e tem inspirações nas artes gráficas das revistas Vida Simples e Bravo.
– É um projeto bom porque propõe participar de todas as etapas do processo de construir isso aqui – disse, segurando orgulhoso uma nova impressão da Ímpar. – Peguei hoje.
– A gente queria fugir do que a mídia sempre mostra. O que as pessoas estão fazendo na rua? Como elas se vestem? E aí foram surgindo muitas ideias – conta Simone Selles, uma das participantes. – A gente quis “fugir” de Seropédica também. Não temos nenhuma matéria que fale daqui.
A ousadia do trabalho não ficou só na diagramação. A equipe também utilizou de colaboratividade para construir o veículo. Na sessão Online, as pessoas podiam tirar fotos no aplicativo para celular Instagram e marcá-las com a hashtag #atalho. A ideia foi publicar as 15 melhores fotos com temática urbana marcadas com a tag. Depois de a revista ter ficado pronta, lá estavam as fotografias, com os filtros e o formato quadrado próprios da rede social.
– Cada um mora em um local diferente. Cada um tem uma cultura diferente. A Simone é de Niterói, a Raíze é de Recife, eu de Bangu, o Victor e a Tarcila de Jacarépagua, a Meiryellen de Paraty, e o João Pedro de Maricá – destaca Samara Costa, a principal responsável pela diagramação da revista.
– Nós propomos uma revista que mantivesse um certo requinte. Falamos sobre gastronomia e comportamento. Queríamos levar para as pessoas algo além da receita de bolo. Queríamos falar daquele “pubzinho” super legal, daquele restaurante “bafo”, ou então sobre aquele Chef que está em alta – disse Talyta Magano, umas das integrantes da equipe que fez a revista. – A gente vê o tempo inteiro teoria, e é sempre bom colocarmos em prática o que a gente aprende. Foi uma experiência muito legal, para a gente aprender como dispor a notícia para o leitor entender melhor. Suamos, brigamos, mas foi uma experiência ótima.
A revista Meu Dinheiro foi outro exemplo de criatividade dos grupos. Ela propõe falar de Economia para as classes C e D, entrando em uma brecha presente no jornalismo econômico: o excesso de termos técnicos e um público alvo seleto, das classes mais altas.
– A revista foi o desafio até o momento do curso de graduação. Sem sombras de dúvidas. Deu trabalho, mas foi prazeroso. Você vai fazendo e vendo que a coisa ganha forma, mas foi difícil devido a falta de comprometimento de algumas pessoas. Mas eu tenho a consciência tranquila de que fizemos o que estava em nosso alcance. Foram noites viradas que valeram a pena – disse Kleber Costa, membro do grupo que fez a revista.
Na Meu Dinheiro, os temas das matérias foram da alta no preço do tomate em abril até a geração de emprego devido a Copa de 2014 e Olimpíadas de 2016. Em 44 páginas, o grupo explicou, sem abrir mão de uma linguagem popular, assuntos densos como inflação e taxa de câmbio.
Com a proposta de levar ao público alvo um conteúdo leve, com caráter pedagógico, a revista Hora H tem suas pautas voltadas para sexo e sexualidade. As matérias falam de homossexualidade, educação sexual dentro de casa, masturbação, entre outras.
– O desafio principal foi técnico: não há ainda na UFRRJ uma "gráfica laboratório" para os alunos, como também uma estrutura completa de redação de empresa jornalística. Por outro lado, sobrou vontade e orientação técnica por parte do corpo docente do curso. Aulas conjuntas ocorreram entre diferentes disciplinas, valorizando a interdisciplinaridade, fundamental para uma perspectiva moderna da aprendizagem – declarou Filipe Veloso, um dos membros do grupo que fez a Hora H.
“Paixão, aventura e transgressão sem perder o ar” é o slogan da revista Fôlego, que propõe um jornalismo de imersão, com profundidade na apuração e viés literário. As pautas tratam, principalmente, de tabus.
– Uma coisa que resume bem a Fôlego é o seu slogan, que é “Paixão, aventura e transgressão sem perder o ar”. Ele veio junto com o nome, que é um nome forte, pensado. E a ideia de paixão e transgressão sempre foi o nosso intuito como jornalistas: se aprofundar dentro de uma reportagem, explorar ao máximo e conseguir traduzir isso em sentimentos e palavras, gramaticalmente. Não fazer apenas uma coisa superficial, com consultas à Internet e ficar muito na teoria. Muitos sabem do que estão falando, mas é apenas teórico, nunca viveu para falar – disse Rafael Peixoto, um dos membros do grupo que fez a revista.
Na Fôlego tem matérias sobre o cinema nacional, elitização dos estádios de futebol, cultura canábica, entre outros. Para Peixoto, os desafios foram muitos. Das coisas curiosas no processo de apuração das matérias, o que não faltou foi “lama, cercas, cachaça com pessoas estranhas e diálogos esquisitos.”
– Os desafios de um repórter, independente do gênero, é sempre a fonte: a fonte querer falar contigo ou você ter acesso a fontes, ela querer tratar dos assuntos – disse Peixoto. – ma coisa que eu levei para mim dessa revista é que essa coisa de transgressão e liberdade em excesso a gente acabou um pouco se perdendo, e sem saber que rumo tomar. As coisas ficaram meio caóticas, talvez pelo excesso de liberdade. A gente precisa saber o que a gente tá negando para poder negar algo. Isso gerou diversas discussões, diversas brigas no meio do grupo e dissidências, mas a revista é do c*. Sinto-me representado.
Para Cristiane Venâncio, a professora que orienta a construção das revistas, o projeto é bom “porque ele proporciona a possibilidade de os alunos aliarem a teoria à prática”. Segundo ela, não tem melhor forma de aprender do que fazendo.
– Ocorre, durante o período, um amadurecimento dos alunos na percepção deles do que é construir um produto: pensar e executar até a publicação. Se nós estivéssemos no mercado, eles teriam a oportunidade inclusive de fazer as “suítes” (repercussão) – disse.
Kleber Costa, da revista de economia Meu Dinheiro, sai com muito mais do que quando entrou. Para ele, o projeto que consumiu um semestre reafirmou a certeza de que o jornalismo é o seu caminho:
– O meu amor pelo jornalismo continua forte. Foi difícil, mas prazeroso ao extremo. Eu vejo que se a gente pega uma coisa para fazer a gente tem que ir até o final.
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